INJETANDO VIDA EM ZENKUTSU-DASHI
Acabei de traduzir um artigo do Sensei Richard Amos. Ele tem opiniões à respeito de kamae e deslocamentos, quadril e posicionamento dos pés muito parecidas com as minhas. Espero que possa elucidar algumas dúvidas e criar tantas outras!!! OSS!
INJETANDO VIDA EM ZENKUTSU-DASHI Por Richard Amos - traduzido por Marcos Piolla
O foco de um artigo recente foi puramente o posicionamento do corpo em Zenkutsu-dashi. Esse artigo é mais detalhado e eu peço que leiam aceitando os possíveis erros inerentes à interpretações. O que era relevante, no tópico anterior, à discussão que segue eram os três pontos iniciais: ângulo do pé da frente; ângulo do pé de trás e posicionamento dos quadris e pélvis.
Zenkutsu-dashi fica mais presente a partir do momento em que começamos a nos mover.
Acho que há um elemento comum de surpresa entre tradicionalistas quando levantamos a questão de permitir a elevação do calcanhar traseiro durante as várias expressões de zenkutsu-dashi. Não estou certo qual o motivo da surpresa. Manter os calcanhares no chão à todo custo, leva-nos a parecer ter pés chatos (pés de pato): um comentário de natureza raramente edificante.
Seja ao boxear, esgrimar ou praticar jiu-kumite, os calcanhares de ambos os pés devem sair do solo, tocando imperceptivelmente e, ainda assim, flutuando em constante estado de fluxo / fluidez. Já tentou correr com pés de pato (pés chatos)? Fica óbvio que o calcanhar traseiro vai, invariavelmente, levantar quando executando qualquer movimento livre e naturalmente.
Qualquer aspiração em adquirir graça, fluidez ou a facilidade e compostura dos altamente habilidosos seria severamente comprometida de outra forma. Em prática de kihon elementar, entretanto, somos ensinados a não elevar os calcanhares de forma alguma e manter o pé que se move horizontal / paralelo ao chão enquanto desliza pela sua superfície. Isso não é necessariamente errado, quando praticamos o básico, mas devemos lembrar que kihon é treino técnico à nona potência, mas não termina essencialmente aí.
Quando mantemos nosso pé em movimento paralelo ao solo ao mever para frente, o que estamos fazendo é treinar a perna dianteira para que reboque a perna traseira e a leve a executar o papel de dianteira, o que não é óbvio para iniciantes. O que tentarão fazer é executar todo o movimento de andar com a perna que move, sem perceber que ela é movida principalmente pela compressão / direção da perna que se mantém no chão: a perna que move, em essência, não pode se mover por conta própria.
Se tentar, você não vai avançar, mas provavelmente, cairá no espaço deixado pela perna que não está mais lá.
Em zenkutsu, quando avançamos, a perna dianteira inicia o real avanço do peso corporal. Se parar em zenkutsu e dobrar seu joelho dianteiro uma polegada a mais para frente, seu corpo também avançará uma polegada. Isso é 100% de eficiência e o imediatismo singular desse movimento não pode ser superado.
Depois de repetir isso por alguns anos e reconhecer a importância da perna dianteira ancorada, puxando e direcionando, podemos nos permitir a, também, empurrar o solo com a perna de trás, que resultará no máximo empuxo possível e.... bem, a elevação do calcanhar.
Eu acho que, ao invés de aceitar, pela experiência, que existe uma ordem de importância para cada parte do corpo ao executar qualquer movimento em particular, nós tendemos a seguir cegamente àquilo que nos foi primeiramente ensinado. Essa é a natureza humana e é preciso um grande esforço para corrigir algo que o subconsciente já absorveu. Isso pode ser ilustrado quando um iniciante dá seus primeiros passos pelo dojo em zenkutsu-dashi.
Ele ou ela, almeja uma base longa, como a do instrutor e, imediatamente, lança-se para frente: consequentemente, o calcanhar traseiro geralmente levanta. Eles são repetidamente orientados a manter os calcanhares no chão e o corpo fica profundamente programado, nesse momento, a aderir ao que é, na verdade, a primeira coisa que deve ser sacrificada depois, quando mais liberdade se fizer apropriada.
Por quê essa é a primeira coisa? Pela ordem de importância da qual me referi anteriormente. O calcanhar está bem longe abaixo na lista de ordem de importância. É minha experiência que cada parte do corpo é influenciada pela próxima parte que estiver mais perto do centro do corpo e, o centro de tudo, sendo a área do tanden.
O centro não é comandado pelas pontas, mas o contrário. Em outras palavras, os pés não controlam a posição dos joelhos ou das coxas e as pernas, em geral, não devem dominar o que acontece com a postura / posição do quadril. A mão não faz o cotovelo mover e este, não precede os ombros, que não tentam corrigir a postura.
Isso é feito pelos quadris e o alinhamento da coluna.
Se estamos mergulhando em ataque e precisamos alcançar o oponente a longa distância, os quadris devem estar em perfeito posicionamento para permitir:
a) eficiência de movimento;
b) equilíbrio;
c) potência;
d) possibilidade de emendar uma técnica na outra com fluidez.
Se isso significar que a perna traseira se curve para permitir que a pelvis se enquadre no lugar, que seja. Se o fizer, o calcanhar irá, sem dúvida, levantar. Entretanto, por força do hábito, muita gente irá arrastar o calcanhar traseiro durante esse movimento com o intento de mantê-lo plantado.
Fazendo isso, irão forçar os artelhos para fora e os tornozelos a se abrirem, colocando um estresse nos joelhos e, assim, perdendo a conexão com os membros do centro. Também conseguirão, certamente, uma deliciosa queimadura com o atrito do lado interno do pé.
Todo o estresse da perna traseira estar esticada (travada é um termo comum) também é largamente super-enfatizado. Pernas (e braços também) nunca devem ser mantidos esticados. O fazemos em tsuki em kata e kihon para expressar a extensão máxima do movimento mas, assim que o impacto for feito, se o membro permanecer retesado, estará basicamente inútil. Ande com as pernas eretas e se lembrará que a palavra "duro" é comumente associado a algo morto ou machucado.
Karate é e deveria ser sempre, muito vivo.
Coisas vivas estão em constante evolução, mudando, movendo e adaptando, mas não caóticas. Permitir que o torso a curvar-se para frente para que o calcanhar fique plantado ou aumentar o alcance, ou até inflingir mais peso ao golpe irá inviabilizar uma miríade de possibilidades e nos impedir de permanecer perto da constância do equilíbrio que, sem melodrama, nossa vida pode estar dependendo.
Adiante, então para os papéis de hanmi e shomen.
Os usos de hanmi são três:
1. Girar em hanmi pode ser o iniciador de um dos bloqueios básicos ou kizami-zuki, ura-ken, etc. em kihon, é específicamente obvio quando liberamos, de um shomen extremo ou até, gyaku-hanmi. Quando nos movemos livremente, esse efeito é reduzido e deve ser acompanhado, ou até, substituído pelo deslocamento do corpo.
2. Como parcial evasão de um ataque direto. Na prática de tai-sabaki, o corpo deve rotacionar em hanmi ou gyaku-hanmi. Uma perna ou outra pode seguir, acomodando os movimentos dos quadris e torso, mas também, agindo como freios, geralmente liderando uma ação de recolhimento depois de completo.
3. Começar com hanmi, assim como uma mola comprimida em preparação para outra técnica imediata. Essa é a fonte de energia para um contra-ataque explosivo com mínimo esforço e pode chocar o oponente com a habilidade nociva de mudar subita e rapidamente de direção. Isso requer os mesmos três princípios asinalados previamente na forma da zenkutsu-dashi: ângulos das pernas e posicionamento dos quadris e glúteos. Mesmo com esses benefícios em mente, a posição de hanmi parece estar perdida em muitos. É comumente descrita como ter os quadris a 45 graus, um número que me parece arbitrário. Esse tipo de frase conveniente resulta em muitos praticantes virarem seus quadris, mais ou menos, em uma pose, ao invés de sentirem o efeito e aproveitar sua eficácia.
Devemos recolher os quadris o máximo possível enquanto a coxa e o pé da perna de trás continuam apontando para a frente, no mesmo ângulo de quando estão em shomen. Isso cria a torsão que procuramos para que a volta do hanmi pareça bastante com uma flexa sendo liberada de um arco ou, mais corretamente, um joão bobo saindo da caixa. Deveria ser impossível relaxar de um hanmi e nada acontecer.
É crucial que a perna traseira flexione durante o movimento - não raro, alguns de nós fazem grande esforço para evitar comprimir (ouso dizer dobrar?) a perna traseira e, tudo o que acontece, é que ou damos as costa para a traseira, perdendo uma das três principais posições, ou levantamos o osso do quadril que devia estar espremendo para baixo e para trás (digo, para baixo, pois essa é a sensação necessária em contra-rotacionar uma inclinação para cima) em direção ao calcanhar. O joelho não deve apontar para fora, mas deve manter-se apontado para a direção dos artelhos que, também, não devem derrapar para fora.
Em repetições contínuas de técnicas paradas em zenkutsu-dashi, quando girarmos os quadris, devemos entender absolutamente, e permanecer diligentes sobre o que pode e o que não pode mover. A possibilidade de criar um efeito de mola será muito reduzido se quaisquer dos pontos de apoio derraparem. Além do papel da perna traseira, deve ficar claro que o joelho dianteiro não move de forma alguma e a articulação do quadril, à qual a perna dianteira está presa, é o pivô de rotação.
As aplicações de shomen, por outro lado, não estão definidas tão explicitamente. De zenkutsu-dashi, avançar enquanto mantemos o shomen não faz muito sentido ao iniciante. A tendência natural é de girar lateralmente durante o oi-zuki e o benefício do shomen só poderá ser apreciado em fazer gyaku-zuki, por exemplo. Não devemos esquecer que as práticas de kihon e kata são para, ostensivamente, treinar o corpo a fazer bem aquilo que não lhe é natural. Parece anti-intuitivo ao iniciante, avançar em oi-zuki e não girar de lado.
A razão disso não é porque não é natural puxar a perna que move (andar não involve puxar - nós nos projetamos para frente) mas porque é simplesmente estranho pisar tendo perna e braço esquerdo juntos. Essa não-naturalidade causa confusão no corpo fazendo com que o braço que soca tenha um papel muito mais importante do que deveria, deixando que domine todo o movimento.
O que executar oi-zuki em shomen faz, é re-instaurar o equilíbrio ao forçar o braço a se subordinar ao correto direcionamento das pernas. Isso leva um grande tempo para "pegar" (se é que o fazemos algum dia...) mas é realmente importante se queremos ser capazer de realizar "próprio" kumite no Dojo, ou seja, kumite usando combinações que fluem de defesa para ataque, e de volta, sem que degenere em uma bagunça de socos embolados.
Manter completo hanmi ou shomen envolve grande quantidade de esforço. Por isso, nem um, nem outro deve ser mantido por mais do que meros momentos. Ao contrário, nosso Karate deve evoluir para se tornar (e aparentar) fácil e sem esforço.
O corpo deve, naturalmente voltar a, algum lugar no meio do caminho e, um kamae natural deve ser a sensação preferida de semi-permanência, pontuada pela necessidade de técnicas defensivas e ofensivas. Shomen e hanmi são posições interinas antes de reassumir o equilíbrio que nos permite iniciar qualquer uma das várias técnicas existentes.
Fonte: Karate Do Flavio Costa